Neurocirurgia Funcional e Estereotáxica

A Neurocirurgia Funcional é uma subespecialidade da Neurocirurgia que busca resgatar uma função perdida. Pode ser realizada no tratamento dos movimentos anormais, doenças psiquiátricas, dores crônicas e epilepsias, por exemplo, mas não como primeira alternativa.

 

Nesse sentido, é importante que o paciente saiba que a cirurgia só é indicada quando apenas o tratamento conservador ‒ com medicamentos, fisioterapia, fonoterapia, psicoterapia ou terapia cognitiva comportamental, por exemplo ‒ não é suficiente para aliviar os sintomas da doença e proporcionar uma qualidade de vida adequada.

Pré e pós-neurocirurgia funcional

 

Os momentos antes da cirurgia são de muita conversa. No consultório, o Dr. Osvaldo Vilela explica, com detalhes, tudo o que envolve o procedimento. Isto é, como ele é realizado, os resultados que oferece, os riscos, possíveis complicações, todas as possibilidades de sucesso e insucesso. Além disso, esclarece também que a decisão de realizar ou não a cirurgia, quando indicada, é do paciente.

 

Os outros passos do pré-operatório variam conforme a doença. No caso da doença de Parkinson e dos tremores, por exemplo, as medicações devem ser interrompidas na tarde do dia anterior ao da cirurgia. Isso porque, no momento da operação, é necessário que as manifestações características da doença ‒ tremor, rigidez e lentidão [bradicinesia (bradi = lento; cinesia = movimento)] ‒ estejam claras. Dessa forma, o neurocirurgião poderá observar as mudanças nos sintomas do paciente já no transcurso da cirurgia.

Como a Neurocirurgia funcional é feita?

 

Para explicar como essa cirurgia é realizada, exemplificarei com a doença de Parkinson. Nesta enfermidade, o paciente apresenta perda das células que produzem um neurotransmissor chamado dopamina, em uma região do cérebro conhecida como substância negra. Em decorrência dessa deficiência, algumas estruturas cerebrais se tornam hiperativas, como o globo pálido interno (GPi) e o núcleo subtalâmico (NST), e é isso que determina os sinais e sintomas da doença. Uma outra estrutura cerebral, denominada núcleo ventral intermédio do tálamo (Vim), também está envolvida na gênese dos sintomas desta doença.

 

Portanto, o que se faz com a cirurgia é inativar estas áreas cerebrais que estão hiperativas. A escolha de qual destas estruturas deve ser operada varia de acordo com as manifestações predominantes da doença. Por exemplo, na presença de tremor, geralmente opta-se pelo NST ou pelo Vim; quando a lentidão e/ou a rigidez predominam, tanto o NST como o GPi podem ser utilizados, ambos com bons resultados.

 

Felizmente, estas estruturas são facilmente identificáveis na ressonância magnética cerebral. Assim, nos dias que antecedem a cirurgia, este exame é realizado. No dia da cirurgia, um aparelho, denominado estereotáxico (figura 1), é fixado na cabeça do paciente, usualmente sob anestesia local, estando o paciente acordado. Uma tomografia computadorizada do crânio é, então, realizada e as imagens obtidas, bem como aquelas da ressonância magnética anteriormente realizada, são exportadas para uma estação de trabalho (computador). Assim, utilizando um software apropriado, estas imagens são então fundidas. É nestas imagens que se identifica o alvo cirúrgico (NST, GPi ou Vim).

 

O aparelho estereotáxico (figura 1), que acima mencionamos, tem um ponto central, denominado ponto zero. O alvo pode estar localizado à esquerda ou à direita, adiante ou atrás e acima ou abaixo deste ponto. As distâncias nestes três planos são medidas e constituem, respectivamente, as coordenadas x, y e z do alvo. Estas coordenadas são, então, ajustadas no aparelho estereotáxico, o qual é utilizado para guiar o nosso instrumento (geralmente um eletrodo) até o alvo. Toda a trajetória do eletrodo, desde o ponto onde ele penetra no crânio (ponto de entrada), até o alvo, é planejada, milímetro a milímetro. Como podem notar, toda a cirurgia é programada em um computador, o que demanda um tempo substancial.

Figura 1. Sistema Estereotáxico Leksell. O estereotáxico é fixado à cabeça durante a cirurgia e guia o eletrodo para o alvo cirúrgico, cuja localização é determinada usando o computador, onde é planejada toda a cirurgia.

Figura 1. Sistema Estereotáxico Leksell. O estereotáxico é fixado à cabeça durante a cirurgia e guia o eletrodo para o alvo cirúrgico, cuja localização é determinada usando o computador, onde é planejada toda a cirurgia.

 

 

A doença de Parkinson geralmente acomete ambos os lados do corpo e por isso a cirurgia é usualmente realizada bilateralmente (lembre-se que um lado do cérebro comanda o lado oposto do corpo).

 

Sob anestesia local e sedação, naquele ponto de entrada previamente calculado, é feito um orifício em cada lado do crânio do paciente, chamado de trepanação, por meio do qual o eletrodo é inserido e dirigido até o alvo cirúrgico.

 

A partir deste momento, toda a sedação é interrompida, e o paciente é mantido completamente acordado, a fim de que se possa avaliar o impacto do estímulo elétrico nas manifestações da doença (ver logo abaixo). Pode parecer estranho, mas o cérebro, o centro de percepção da dor, é indolor.

 

Para se confirmar o adequado posicionamento do eletrodo no alvo cirúrgico escolhido, pode-se lançar mão de um dos seguintes meios: 1- Realizar nova ressonância magnética ou tomografia computadorizada do crânio na sala de cirurgia; 2- Utilizar a estimulação elétrica; 3- Realização do registro das células do alvo. Em nossa instituição, utilizamos o segundo e/ou o terceiro métodos, mais comumente o segundo (figuras 2 e 3).

Figura 2. Gerador de radiofrequência – Utilizado para fazer estímulo elétrico e produzir ablação (pequena coagulação ou cauterização controlada) no cérebro, medula espinhal e nervos durante as neurocirurgias funcionais.

Figura 2. Gerador de radiofrequência – Utilizado para fazer estímulo elétrico e, assim, produzir ablação (pequena coagulação ou cauterização controlada) no cérebro, medula espinhal e nervos durante as neurocirurgias funcionais.

Figura 3. Sistema de Registro com Microeletrodo – Equipamento para fazer o mapeamento das células dos alvos cirúrgicos cerebrais durante as neurocirurgias funcionais.

Figura 3. Sistema de Registro com Microeletrodo – Equipamento para fazer o mapeamento das células dos alvos cirúrgicos cerebrais durante as neurocirurgias funcionais.

Usando um aparelho, denominado gerador de radiofrequência (figura 2), realiza-se a estimulação elétrica do alvo com alta frequência (em torno de 100 Hz). Este estímulo tem efeito inibitório e, estando o eletrodo no local planejado, há uma melhora imediata das manifestações da doença (tremor, rigidez e lentidão).

 

Técnicas para inativar o alvo cirúrgico

 

Uma vez confirmado o adequado posicionamento do eletrodo, pode-se finalizar a cirurgia, que consiste na inativação do alvo cirúrgico. Para tal fim, pode-se utilizar duas técnicas.

 

Uma delas, mais antiga, é a técnica ablativa. Desse modo, utilizando o gerador de radiofrequência, aumenta-se a temperatura na ponta do eletrodo, promovendo a cauterização (coagulação) do alvo (figuras 2 e 4).

 

Figura 4. Palidotomia – Cirurgia ablativa tendo como alvo cirúrgico o globo pálido interno, utilizada para o tratamento da doença de Parkinson e das distonias. A seta azul indica a palidotomia.

Figura 4. Palidotomia – Cirurgia ablativa tendo como alvo cirúrgico o globo pálido interno, utilizada para o tratamento da doença de Parkinson e das distonias. A seta azul indica a palidotomia.

 

 

A outra, de longe a mais empregada nos últimos anos, é a estimulação cerebral profunda, amplamente conhecida como DBS, sigla esta derivada do termo inglês deep brain stimulation. O eletrodo rígido anteriormente implantado é substituído por eletrodos maleáveis (figura 5). Então, estes eletrodos são conectados, através de fios, a um estimulador interno (“marca-passo” cerebral) que é implantado no tórax, sob a pele, abaixo da clavícula (figura 6). Todos estes componentes (eletrodos, fios e marca-passo) ficam sob a pele, nada estando exposto. Logo após a cirurgia, ao longo de vários dias, utilizando um programador (uma espécie de computador portátil), o marca-passo é progressivamente programado para se obter alívio das manifestações da doença (figuras 7 e 8).

Figura 5. Eletrodos para estimulação cerebral profunda (DBS).

Figura 5. Eletrodos para estimulação cerebral profunda (DBS).

Figura 6. Marca-passo cerebral (gerador de pulso implantável).

Figura 6. Marca-passo cerebral (gerador de pulso implantável).

Figura 7. Implante de eletrodo cerebral profundo (DBS) em um alvo denominado área subtalâmica posterior, utilizado para o tratamento da doença de Parkinson e de outros tremores. A seta azul indica o eletrodo cerebral.

Figura 7. Implante de eletrodo cerebral profundo (DBS) em um alvo denominado área subtalâmica posterior, utilizado para o tratamento da doença de Parkinson e de outros tremores. A seta azul indica o eletrodo cerebral.

Figura 8. Representação artística do sistema de estimulação cerebral profunda (DBS), constituído por dois eletrodos cerebrais, o marca-passo, implantado abaixo da clavícula, e os dois fios conectando o marca-passo aos eletrodos cerebrais. Todo o sistema é implantado sob a pele, nada ficando exposto. O marca-passo gera os estímulos elétricos que trafegam pelos fios, eletrodos e atingem os alvos cerebrais, onde exercem seu efeito, bloqueando os sintomas das doenças.

Figura 8. Representação artística do sistema de estimulação cerebral profunda (DBS). É constituído por dois eletrodos cerebrais, o marca-passo, implantado abaixo da clavícula, e os dois fios conectando o marca-passo aos eletrodos cerebrais. Todo o sistema é implantado sob a pele, portanto nada ficando exposto. O marca-passo gera os estímulos elétricos que trafegam pelos fios, eletrodos e atingem os alvos cerebrais, nos quais exercem seu efeito, bloqueando, assim, os sintomas das doenças.

Ambas as técnicas (ablação e DBS) apresentam resultados similares. A grande vantagem da DBS é, de fato, sua reversibilidade, visto que nenhuma lesão (cauterização) no cérebro é necessária. Desta feita, desligando o marca-passo, é como se nenhuma cirurgia tivesse sido realizada. Além disso, outra vantagem desta técnica (DBS) é a ajustabilidade. Isto é, ajustando os parâmetros de estimulação, pode-se resgatar o controle sobre a doença, o que é extremamente importante em doenças degenerativas, progressivas como, por exemplo, a doença de Parkinson.

 

A neurocirurgia funcional pode ser o único tratamento?

 

Deve-se salientar que a Neurocirurgia Funcional é apenas mais um instrumento no arsenal terapêutico para o tratamento da doença de Parkinson e de outras enfermidades. Portanto, as outras modalidades terapêuticas utilizadas antes da cirurgia (medicações, fisioterapia, fonoterapia, psicoterapia, etc.) continuam sendo necessárias após a mesma. Todavia, a diferença no alívio dos sintomas da doença e da qualidade de vida do paciente é enorme.

 

Por fim, relatamos aqui a neurocirurgia funcional, utilizando a técnica estereotáxica, para o tratamento da doença de Parkinson. No caso de outras enfermidades, que abaixo mencionaremos, a técnica é fundamentalmente a mesma, variando apenas o alvo cirúrgico. Isto é, a estrutura cerebral a ser operada para aliviar os seus sintomas.

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A neuromodulação e a cirurgia ablativa fazem parte do arsenal da Neurocirurgia Funcional.

 

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